Sidney vive de importar materiais de construção e vender para empreiteiras, enquanto estava prestes a aprovar a fatura proforma da próxima compra do Vietnam, sua esposa o liga:
– Amor, temos que comprar o jogo de jantar para o enxoval de nossa filha, vi que a Duor está com algumas promoções, vamos fazer isso hoje à noite? – Enquanto a esposa falava, o marido pesquisa na internet sobre a marca, ao ver os preços, sente o sangue passar devagar pela ponte de safena:
– Minha galega, estou fechando mais uma importação com o Shang Tsung, o que acha de comprarmos o jogo de jantar com ele? Vai sair bem mais em conta.
– Tem certeza? Que marca é a porcelana do Shang? Chegará em tempo?
– Chega em tempo sim, faltam 3 meses para o casamento e se quiser, mando o Shang escrever “Duor” nas peças!
Só ideia boa, vai vendo.
O empurrão na bola de neve.
Após Sidney e sua esposa decidirem qual jogo de jantar presentearão a filha, ele pesquisa a NCM do produto, encontrando o código 6911.10.10 que, ao consultar o tratamento administrativo, vê seu planejamento comprometido:
A presente NCM necessita de Licença de Importação (L.I) pré-embarque e é necessário pagar Direitos Antidumping.
– Não posso esperar a L.I ficar pronta e esse antidumping vai inviabilizar a importação! – Pensou o transtornado importador, que sabia que deveria ter conferido a classificação antes mesmo de pagar pelo produto. Pensou em pedir à filha e sua mãe que prorrogassem o casamento, mas abandonou a ideia ao imaginar a reação de ambas:
– Hum… Tem essa outra NCM, 6913.10.00 e é bem parecida, não pede L.I e nem consta Antidumping, perfeito!
E foi achando que classificar mercadoria trata-se apenas de achar o código com menos imposto e trabalho que Sidney autorizou o embarque.
O crescimento da bola.
O container com o material de construção mais o presente para a filha chegou há 3 dias no porto faltando 2 semanas para o casamento, o preocupado pai liga para seu Despachante Aduaneiro:
– Oi Sid, registrei a D.I assim que saiu a presença de carga e deu canal vermelho.
– Não! – A ponte de safena pedia socorro. – “A Receita Federal sente o cheiro de malandragem, só pode”, lamentou em silêncio.
– Sim, fizemos a vistoria agora de manhã e o fiscal fez cara feia para aquele porcelanato, eu te disse que a NCM que você quis usar não estava certa, né? E que marca é essa chamada “DURO”?
– É que eu mandei uma foto das peças da Duor para o Shang, mas deixa isso para lá, e agora?
– Agora vamos esperar a resposta do fiscal via sistema, te aviso assim que receber.
Sendo atropelado.
Devido ao comum aumento de importações no segundo semestre e a carga ter chegado num período com muitos feriados, mais de uma semana se passou desde o registro da Declaração de Importação e se viu obrigado a comprar o porcelanato no Brasil, pois o casamento será na próxima semana.
Mas os prejuízos estavam só começando:
– Oi Sid, o fiscal respondeu via sistema…
– E como foi?
– Bem, primeiro que ele aplicou a multa por:
Classificação Incorreta da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)
– Conforme Art. 711, I do Regulamento Aduaneiro (RA), custa 1% do valor aduaneiro, mas como esse produto é barato, ele ficará no valor mínimo de R$500,00.
– Tá, achei que seria pior, tudo bem, pode pagar.
– Tem mais, ele pediu para reclassificar no código 6911.10.10, que precisa de autorização de embarque, e como embarcou sem autorização, teremos que pagar também a multa por:
Licença de Importação deferida após o embarque.
– Seguindo o Art. 706, I, b, também do RA, essa multa custa 30% do valor aduaneiro…
– Mas não pago somente a multa mais cara?!
– Não, porque são infrações diferentes, precisa pagar ambas.
– Tá… os materiais de construção não tiveram problemas, certo? Então vamos carrega-los enquanto você corrige a D.I e paga as multas.
– Está tudo na mesma D.I. e não é possível carregar apenas parte dela enquanto o restante não está desembaraçado.
– Você está me dizendo que os 50kg de porcelanato estão segurando minhas 19 toneladas de material de construção?! Mas desse jeito eu vou pagar uma fortuna de…
Armazenagem!
– Pois é Sid, considerando o histórico de outros processos, vai pelo menos mais duas semanas até conseguir a L.I deferida e poder carregar do porto.
– Isso é inaceitável! Marca uma reunião com esse fiscal da Receita para a próxima segunda, vou convencer ele de deixar a NCM que usei.
– Tá bem, quer que eu vá junto? – Perguntou por profissionalismo, pois não gostaria de ir, seu sexto sentido de “vai dar M” sabia que não acabaria bem.
– Não precisa, vou dar um jeito.
E quando achamos que não pode piorar…
Ao ser chamado pela Recepção da Receita Federal, Sidney é encaminhado até a sala do Auditor Fiscal responsável por sua importação, o cumprimenta apertando as mãos e começa a argumentar.
– Bom dia! Viu a final do mundial? Palmeiras continua sem mundial kkkkkkkk!
– Bom dia, vamos logo tratar do assunto, é sempre muito apurado aqui – disse seriamente o Auditor, enquanto bebia um gole de café em sua caneca Palmeirense.
Sidney tosse nervosamente para disfarçar o belo início de reunião e pega a Declaração de Importação:
– Claro, vamos lá, gostaria de conversar contigo sobre a aplicação dessa multa, veja bem, creio que classifiquei corretamente.
– Infelizmente nosso entendimento não muda, até conferimos com outros colegas, mas, como explicamos via sistema, sua classificação não segue As Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado, por isso, não há razão para mudar o entendimento – Respondeu o Auditor com muita calma e cortesia, infelizmente, Sidney não souber responder da mesma forma.
– VOCÊS SÓ QUEREM SABER DE TIRAR DINHEIRO DE QUEM FAZ ESSE PAÍS CRESCER, SÓ FERRAM CONOSCO, OBRIGADOR POR FERRAR COM MINHA IMPORTAÇÃO!
E foi embora batendo a porta, sendo encarado com medo por todos os presentes na repartição.
“O que foi que aconteceu na reunião, Sidney!?”
Questionou o Despachante Aduaneiro, com a voz indignada.
– Não consegui resolver nada, aquele Auditor safado, por quê?
– Porque recebemos via Siscomex uma multa de R$10.000,00 e suspensão do RADAR por 6 meses, alegando Desacato à Autoridade Aduaneira, conforme o Art. 728, III. Depois dessa importação, você vai ficar proibido de Importar e Exportar por 6 meses.
– Isso é um absurdo! Eles vão se ver com meu advogado!
***
Esta história mostra porque a Classificação Fiscal é um dos temas mais sérios na importação, pois os prejuízos são quase infinitos. Mesmo sendo fictícia, as situações relatadas ocorrerem seguidamente e são tão reais quanto a existência das multas mencionadas.
Seja por malandragem ou negligência, a Receita Federal e qualquer outro órgão vai aplicar multas e sanções administrativas bem parecidas com o exemplo acima e raramente há espaço para conversa.
E você, leitora(o)?
Se identificou com algum cliente? Já passou por essas multas ou outras dificuldades (ou malandragens) assim? Acha que multas educam quem quer dar jeitinho? Vamos continuar conversando nos comentários.